ATENÇÃO: Este texto é parte integrante e capítulo do livo “Dilemas Sociais de Estimação”.
Quando pensei em falar nesse assunto, imediatamente me veio à cabeça a música ícone de Luiz Gonzaga, personalidade que muito admiro da nossa cultura. A música fala justamente sobre o sofrimento de um povo guerreiro e batalhador, mas que sempre sobreviveu em meio a grandes desafios. Falo daquele povo cabra macho que habita o interior do sertão do nosso país.
Um povo forte e verdadeiro, mas que mora em uma terra difícil, quente, seca, onde o nosso recurso natural mais precioso, a água, sempre falta e de onde, como disse Gonzaga, inté mesmo a asa branca bateu asas!
Caso você não saiba, a asa branca é uma ave, uma espécie de pomba. E a referência feita a ela (bateu asas) é sobre o quão quente estaria sendo o período de seca, quente a ponto de a asa branca bater asas para outro lugar, um lugar melhor.
Talvez você nunca tenha parado para prestar atenção na letra da música “Asa Branca”. Ela é o lamento de alguém que, por causa da seca, perdeu tudo o que tinha, deixou o seu lar e foi para um lugar distante em busca de melhores condições de vida, imitando, talvez, a própria asa branca da canção. Uma história contada e recontada na vida de milhões de nordestinos que tiveram esse mesmo destino. Todo brasileiro do Sudeste, Sul e Centro-Oeste já conheceu alguém da terrinha que vive a sonhar com os familiares deixados para trás. Ele partiu em busca de uma vida melhor para si e para os seus, os quais, muitas vezes, faz planos de buscar quando as coisas melhorarem. Mas, infelizmente para a maioria, as coisas nunca melhoram, pelo menos não e esse ponto.
Acho que vale muito a pena fazermos juntos a leitura da letra dessa música. Você me acompanha?
Quando oiei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por falta d’água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Por farta d’água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Depois eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Depois eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe, muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortar pro meu sertão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortar pro meu sertão
Quando o verde dos teus óio
Se espaiar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu, meu coração
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu, meu coração
O que me admira, espanta e entristece nessa linda música é que, apesar de ter sido composta por Gonzaga em 1947, ou seja, há 69 anos – já que estou escrevendo em 2016 –, a realidade desse povo ainda é praticamente a mesma. Muito pouco ou quase nada mudou. Muitos governos, muitas promessas… mas basicamente nenhuma realização.
É triste ver que neste país nem mesmo os muito necessitados recebem qualquer atenção. Mas quanto dinheiro foi gasto a título de beneficiar esse povo e essa região? Isso é algo imensurável! Obras faraônicas, ideias mirabolantes… Mas onde estão os resultados?
Das grandes obras iniciadas para resolver o problema da seca no Nordeste, com certeza se destaca e muito a transposição do rio São Francisco. A ideia da transposição do rio remonta nossa história até os tempos do império de Dom Pedro II, quando já se falava em realizar tal feito. Vários governos prometeram executar o projeto, assim como o Partido dos Trabalhadores, que, ao longo de quase 20 anos, usou o assunto como promessa de campanha, mesmo antes de o ex-presidente Lula ganhar o seu primeiro mandato em 2003.
E um dia, se para nossa felicidade ou infelicidade ainda estamos tentando descobrir, ele teve a sua oportunidade. Depois de muitas promessas, muitas datas e adiamentos, foi finalmente em 2007 que as obras começaram. A primeira previsão, ou a mais antiga que conheço, para a conclusão da obra era o ano de 2010. Mas você deve saber que até hoje, em 2016, essas obras não foram concluídas.
Apesar do fiasco pelo não cumprimento da primeira previsão, naquele mesmo ano, em 2010, o então presidente Lula discursou em meio a muitos aplausos dizendo que “… a obra vai ser inaugurada definitivamente em 2012, a não ser que aconteça um dilúvio ou qualquer coisa”21. Você soube de algum dilúvio? Nem dilúvio e nem obra pronta. O que tivemos foi um aumento absurdo nos gastos, é claro.
Em 2012, apenas dois anos após a previsão citada, o Estadão já noticiava22 que a obra excedia seu custo total estimado em 71% e chegava a superar a marca de R$ 8 bilhões! E mais, a matéria cita ainda que o prazo restante estava estimado em 45 meses, ou seja, quase mais quatro anos de atraso, remetendo o fim da obra para 2016, o ano em que estou hoje. Acabou? Claro que não. Acabará? Só Deus sabe ao certo, mas imagino que nós não veremos essa água correr. Talvez nossos netos, quem sabe?
Esse foi nada mais, nada menos, que o maior e mais caro projeto do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e que nos deu em retorno absolutamente nada! Gastamos muito, colhemos coisa nenhuma. Mas o PAC foi amplamente noticiado ao longo de anos como o programa mais importante do governo federal, e você com certeza assistiu às propagandas na televisão e ouviu no rádio. E pagou também por isso.
E quanto ao povo nordestino? Bem, eles estão lá até hoje esperando que centenas de quilômetros de canais de concreto sejam construídos para terem água para beber. E só de falar nisso já me deu até vontade de beber água, estou perdendo o raciocínio aqui.
Volto, agora, hidratado… As previsões passaram de 2010 para 2012, depois para 2015, depois para 201723 e, até onde se sabe, estamos chegando lá! Ou seja, estamos chegando a 2017, mas a obra não acaba e parece que a culpa agora é da crise. Ah, essa crise… sempre atrapalhando a vida do brasileiro!
Continuando a pesquisar, você vai encontrar relatos de custos ultrapassando os 9, 10, 11 e até os 12 bilhões de reais. Por exemplo, numa matéria da Folha de S. Paulo publicada em 17/7/201624. A matéria cita ainda que serão gastos mais 10 bilhões até o ano 2026! E fala também sobre as recentes investigações, por ter se tornado alvo da Laja Jato, devido ao desvio de recursos, corrupção e ineficiência. Será?
O peixe que foi vendido para o povo nordestino, como solução para todos os seus problemas, era, na verdade, uma grande armadilha para desviar bilhões, saindo direto do bolso de cada um de nós. E, se nada está pronto, para onde você acha que foi toda essa fortuna? Sítios, pedalinhos e tríplex no Guarujá? Isso não é nada! Estamos falando de tanto dinheiro que fica até difícil imaginar.
Mas vou ajudar você a ter uma ideia do que representam esses R$ 12 bilhões que já foram gastos sem nos retornarem nenhum benefício. Não sei se você sabe, mas nosso principal produto é o agronegócio, ou seja, basicamente plantação de vegetais e criação de animais. Somos uma espécie de zé da roça para o mundo, enquanto países como os EUA exportam softwares e tecnologia por um preço muito maior.
Mas tomando como base nosso principal mercado, o agronegócio, na safra 2015/2016 batemos um novo recorde: 209 milhões de toneladas de grãos. Muita coisa mesmo! Com destaque para a soja, que foi estimada em 99 milhões de toneladas. E sabe quanto foi que toda essa soja nos rendeu em exportações? Foram US$ 3,47 bilhões ou, convertendo o dólar a cerca de R$ 3,30 (não está nem isso hoje), estamos falando de aproximadamente R$ 11,45 bilhões. Ufa, chegamos perto dos 12, só faltou meio bilhãozinho! Ninharia…
Em outras palavras, todo o montante da produção negociada em exportação de soja no país na safra 2015/2016, uma safra recorde, não paga o que gastamos nessa obra faraônica que não beneficiou nenhum cidadão brasileiro. E, por favor, repare que eu não estou falando de lucro, ok? Estou falando de total arrecadado. Esses dados estão divulgados no Portal Brasil25, do próprio governo federal. Qualquer um pode acessar e conferir.
Mas ok, a essa altura você já deve estar cheio de ouvir do rio São Francisco e, ainda por cima, muito chateado de saber como o seu dinheiro suado tem sido desperdiçado para não matar a sede de ninguém no Nordeste. Vamos então diversificar nossa conversa, ok? Será que não há alternativas mais em conta e/ou mais rápidas para, pelo menos, ajudar os companheiros que ainda estão lá esperando a água que nunca chega?
Vamos analisar algumas possibilidades, mas antes gostaria de contar uma história da minha infância que envolve o meu avô, a quem dediquei este livro.
Quando eu era criança pequena, lá em Duque de Caxias, nós utilizávamos alguns truques básicos para conseguir água. Lá não havia seca, ou seja, chovia regularmente. Então lá era mais fácil conseguir água do que no Nordeste, evidentemente.
Mas também não era assim tão fácil a ponto de não nos preocuparmos em como funcionava o ciclo da água. Tínhamos um poço, mas morávamos num morro bem alto e, por isso, a água do poço ficava funda demais. Logo, ou você tinha um braço muito forte para puxar toda água que precisasse lá de baixo, há dezenas de metros, ou você era esperto para fazer a natureza “trabalhar por você”.
Por isso, meu avô criou no nosso quintal um sistema de coleta e armazenamento da água que vinha das chuvas. Ele fez telhados e instalou calhas. Depois ele fez com que essas calhas abastecessem algumas manilhas que ficavam em locais estratégicos. Chamávamos essas manilhas de “quinto”, não sei de onde veio esse nome, mas já chamavam assim quando eu nasci. Os “quintos”, por sua vez, tinham um cano na parte superior que conduzia a água mais limpa, por processo de decantação (embora meu avô nunca tivesse ouvido essa palavra), para uma cisterna que ele construiu.
Devido a todo esse mecanismo, a chuva abastecia os quintos, que abasteciam a cisterna, de onde tirávamos a maior parte da água que usávamos. E, evidentemente, tínhamos água mesmo quando não estava chovendo. E o poço? Bem, ele era uma fonte alternativa para quando ficava muito tempo sem chover. Tenha sempre um backup!
Meu avô não aprendeu o que era decantação nem o que era backup na escola. No entanto, ele conhecia os conceitos, porque nasceu e cresceu no campo, onde aprendeu isso e vários outros métodos simples e engenhosos pelo modo antigo, ou seja, de boca a boca, de pai para filho, de geração para geração.
O que estou tentando dizer com essa história é que existem, sim, formas muito mais simples e baratas do que transportar um rio inteiro, por centenas de quilômetros, por meio de uma obra imaginada há quase 200 anos e que, até agora, ninguém nunca conseguiu fazer acontecer de fato.
Quem sou eu para dizer o quanto é ou não importante fazer a transposição do São Francisco. Muito menos sou capacitado para avaliar se essa medida poderá de fato resolver o problema da seca no Nordeste, que é o que interessa. E menos ainda sou capacitado para dizer se, conseguindo realizar esse feito incrível, de repente, sem querer, não poderíamos também dar início a problemas ambientais gravíssimos em decorrência de uma intervenção tão grande no meio ambiente. Mas ninguém nega que é uma possibilidade e, nesse caso, a “solução” poderia se tornar um problema ainda maior.
Contudo, apesar de eu não ser capacitado para dizer essas coisas, muito embora tenha minhas opiniões e me reserve o direito a elas, há quem seja especialista de fato e diga que essa obra é desnecessária. Claro, alguém sempre é contra, você poderia dizer. Mas não é por isso que não vamos ouvi-lo também.
É possível encontrar vários exemplos pesquisando na internet, mas vou citar apenas uma matéria publicada pela própria EBC (Empresa Brasil de Comunicações) em 22/11/201226. Na matéria o pesquisador entrevistado, João Suassuna, afirma que no Nordeste há água de sobra e que o problema real é a falta de investimento em distribuição. Logo, trazer água de tão longe (do São Francisco) seria, segundo ele, totalmente desnecessário.
É claro que o senhor João Suassuna não é o dono da verdade, ele poderia estar errado também – apesar de eu concordar com ele. Recomendo, por isso, que você leia essa matéria e que também pesquise outras nesse sentido. Mas não vou me alongar mais no assunto para poder falar de outras coisas. Além disso, o objetivo maior deste livro é incentivar você a pesquisar e se envolver com os assuntos abordados e a não dar algum tipo de “resposta absoluta” às questões apresentadas.
Mas, voltando à história do meu avô, é claro que no Nordeste chove muito menos, então a ideia dele certamente não seria suficiente, não é verdade? Sim, pode até não ser suficiente, mas ainda assim é bastante útil! E se ele conseguia ter ideias engenhosas para captar água, mesmo sem nenhuma instrução, ou seja, sem nenhuma educação formal, bem, imagino o que engenheiros formados e experientes pelo Brasil afora não poderiam realizar se tivessem oportunidade. Fico imaginando o que universidades federais, com seus mestres e doutores, não poderiam criar com seus alunos se houvesse investimento em pesquisa como há em obras que não dão em nada.
Baseado nesse pensamento, posso pelo menos supor que seria muito interessante se investíssemos mais em iniciativas sustentáveis e de convivência harmoniosa com a natureza, coisa que perdemos, dando a todo o nosso potencial intelectual, representado por profissionais e pesquisadores de diversas áreas, a oportunidade de criar e inovar. Esse tipo de investimento seria, com toda certeza, mais barato e de retorno muito mais rápido do que os dez anos e mais de 12 bilhões de reais já gastos com a obra do São Francisco. Certamente, a esta altura, já teríamos mais pessoas abastecidas do que temos com a transposição.
Por isso, mesmo não sendo nenhum especialista em meio ambiente ou áreas correlatas, mas para pôr à prova a teoria de que ideias simples como as do meu avô podem, sim, ajudar, e muito, na solução desse problema tão grave, vou começar a pesquisar e a apresentar um pouco do que tem sido feito Brasil afora com esse tipo de ideia. Ideias que, na minha humilde opinião, são bem mais eficientes do que tem sido nosso governo com a obra do São Francisco, que até agora não matou a sede de ninguém.
A técnica para isso será vasculhar a internet com um pouco de paciência e boa vontade. Vejamos se conseguimos algo melhor, mais barato ou mais eficiente do que a obra de transposição do São Francisco que já levou 10 anos e gastou R$ 12 bilhões.
Ao começar a pesquisa, os primeiros resultados me deixaram imensamente feliz! Pude constatar que, na verdade, a ideia do meu falecido avô de coleta de água da chuva e armazenamento em cisternas é utilizada até hoje e, inclusive, no próprio Nordeste. O problema lá não é que não chove nunca, mas sim que chove pouco. Logo, se você armazenar o que puder, poderá ter uma vida muito melhor. Uma matéria da revista Superinteressante27, de 2002, frisa esse ponto de que lá chove, porém pouco, citando que, se não chovesse no semiárido nordestino, não seria “semi”.
Essa matéria da Superinteressante, que achei realmente interessante, me fez rir quando chamou de “revolucionária” essa ideia. Achei engraçado por motivos óbvios, já que, como você sabe, eu conheço a solução desde criança, e aprendi com meu avô, que também aprendeu em sua infância. Logo, isso pode ser chamado de tudo, menos de “revolucionário”.
Encontrei outra matéria também muito legal, publicada pelo Jornal Nacional, no site do G1, em 27/11/201428. A matéria faz uma abordagem mais abrangente, não fala apenas do Nordeste e, por isso, é bastante elucidativa. Ela cita inclusive que, para alguns tipos de construção e em algumas cidades, a instalação de mecanismos para captação de água da chuva já é obrigatória por lei. O Portal R7 também publicou uma matéria semelhante e interessante, mas com foco no problema de abastecimento de água que ocorreu em São Paulo29.
Foi curioso constatar também que o próprio governo tem conhecimento disso (o que já podíamos evidentemente imaginar) e que até já fez algum investimento. Não investiu tanto quanto na transposição do São Francisco (nem a sombra disso), mas chegou a instalar cerca de 1 milhão de cisternas no semiárido, como cita a reportagem publicada no site do UOL Notícias, em 25/3/201530. O projeto é também muito mais antigo, começou em 2001, no governo FHC. Mas ainda assim o governo do PT preferiu apostar mais na obra do São Francisco. Nesse projeto, o das cisternas, as pessoas beneficiadas precisavam trabalhar na construção dela. Iniciativa interessante, mas espero que a moda não pegue ou poderei ter que trabalhar na construção de pontes e viadutos, além de cumprir expediente onde sou empregado e ainda pagar impostos.
Isso prova que a ideia “coleta e cisterna” funciona, que o governo pode investir muito mais do que tem investido e que os resultados são rápidos e baratos. Para constatar o quanto se trata de uma iniciativa barata, comparada a soluções mirabolantes como a que já analisamos, você pode começar procurando fotos e vídeos dessas cisternas na internet. É uma solução com aparência bastante “caseira”, ou seja, do tipo que qualquer um poderia fazer. Praticamente não há preocupação com acabamento e estética. E, ainda por cima, utiliza mão de obra da própria população em esquema de mutirão.
Contudo, apesar do potencial da ideia e das “técnicas” para economizar na solução, a iniciativa governamental não foi muito bem executada. Muitas dessas cisternas do governo geraram bastante polêmica quando, com o pretexto de acelerar o processo, foram utilizadas cisternas plásticas (polietileno, para ser mais exato). Os problemas foram vários. Entre eles, as cisternas plásticas custavam mais que o dobro da cisterna tradicional, não podiam ser reparadas pela população quando apresentavam defeito, não podiam ser abertas para higienização e, o pior de tudo, não suportavam o calor da região e deformaram com cerca de três meses de uso apenas. Isso foi noticiado pelo UOL31 e pela BBC32, entre outros, em 2012.
As cisternas de cimento, contudo, também sofriam suas críticas. Mas o custo ainda menor e a vantagem de poderem ser mantidas e consertadas pelos próprios usuários as colocavam em grande vantagem. A do meu avô, por exemplo, era de cimento. E, como usuário experiente de uma, posso dizer que realmente é muito importante poder abrir para limpar e ser capaz de consertar, sem depender de mão de obra especializada ou do governo para isso, principalmente quando falamos de pessoas com pouco poder aquisitivo e residentes em áreas remotas como o semiárido nordestino.
Ok, já falamos bastante sobre cisternas e vimos que elas podem ajudar, mas lembra-se do nosso “poço backup” lá em Duque de Caxias? Será que essa também é uma solução viável no Nordeste? Vamos pesquisar!
Com pouco trabalho, começamos a encontrar referências sobre o assunto. Muitos sites de ONGs, blogs e autores independentes afirmam estar no subsolo a solução de todos os problemas do semiárido nordestino. O governo também possui projetos para a perfuração de poços, mas alguns desses poços estão abandonados e outros simplesmente não estão atendendo a população, apesar de já terem sido perfurados. O Portal Brasil publicou, em junho de 2016, uma promessa de que o Nordeste receberá 2.500 poços artesianos até 201833. Vamos torcer bastante para que eles saiam do papel! Afinal, segundo o próprio governo, eles vão custar apenas R$ 16 milhões, mas vão economizar R$ 133 milhões por ano gastos em carros-pipa! Será que essa economia vai ajudar?
Com esses poucos dados, acredito que já podemos dizer que, sim, os poços também funcionam. E também podemos dizer que essa não é nenhuma ideia revolucionária. A Bíblia já citava o uso de poços há milhares de anos. Logo, qualquer ser humano com o intelecto um pouco superior ao de uma banana poderia ter posto essa ideia em prática no Brasil há muito tempo, não é verdade? E é por isso que eu não vou gastar mais o nosso tempo tentando provar uma coisa tão óbvia quanto essa.
Até aqui falamos de duas ideias simples, básicas e de implementação relativamente fácil, mas de custo sem sombra de dúvidas muito mais baixo do que as obras faraônicas que temos visto e ouvido por aí. Poderíamos falar ainda de outras ideias, um pouco mais exigentes, como técnicas para utilização eficiente da água e reciclagem de água. Elas também são viáveis e de menor custo, ainda comparando com as grandes obras.
Enfim, quero dizer com isso que opções realmente não faltam. O que parece mesmo faltar neste país é vontade política para resolver o problema. Mas não vamos parar por aqui. Vamos dar uma pequena olhada no resto do mundo agora. Será que existe seca em outro lugar do mundo? Ou será que se trata de um problema exclusivo do semiárido nordestino?
Para fechar esse assunto, gostaria de mostrar a você um pouco do que o mundo tem feito para lidar com a questão da seca. Afinal, é claro que esse não é um problema somente do nordeste brasileiro. O que nos leva a pensar: será que o resto do mundo tem convivido melhor com essa adversidade natural? Vamos ver.
Israel é, sem dúvida, o país que mais chama a minha atenção. Os israelenses possuem um território muito pequeno, se comparado ao nosso. São 20.770 km2 deles contra 8.516.000 km2 nossos – daria para criar 410 países como Israel apenas dividindo o território brasileiro. Em extensão, ele é comparado ao menor estado do nosso país, que é Sergipe, com 21.910 km2 – um pouco mais. E, além disso, boa parte do território de Israel é tomada por desertos. O deserto de Neguev, ao sul, ocupa cerca de 60% do território de Israel. E não estamos falando de um semiárido, e sim de um deserto – lá chove menos do que no Nordeste! O próprio nome “Neguev”, que vem do hebraico, significa “seco” ou “árido”. Todos sabemos que o que menos há no deserto é água. Considerando esses dados, poderíamos supor que Israel vive em dificuldades ainda muito maiores do que o semiárido nordestino do nosso país, não é verdade? Mas não, isso não é verdade.
Esse pequeno país, com mais da metade do seu território tomada por desertos, consegue ser um grande produtor agrícola! Isso mesmo, eles plantam e colhem no deserto – e muito! Eles abastecem, inclusive, toda a Europa com vários de seus produtos agrícolas. Como? Não vou explicar aqui em detalhes, pois muitos já fizeram isso e eu não quero “chover no seco”… (Essa foi péssima!) Mas vou dar algumas referências para você mesmo pesquisar. Afinal, esse é o maior objetivo deste livro, ou seja, deixá-lo curioso e motivá-lo a procurar mais informações. E esse tema em especial certamente abrirá seus horizontes com relação ao que se pode fazer com trabalho, competência e criatividade. Seguem algumas matérias extraordinárias sobre o assunto:
▪ Estadão – 11/3/2009 – “Israel ensina a cultivar no deserto”34;
▪ Globo Repórter – Portal do G1 – 7/2/2014 – “Lagostas azuis produzidas no deserto têm melhor tipo de cálcio para o corpo”35;
▪ Globo Rural – 6/3/2015 – “Novos negócios no deserto”36;
▪ Superinteressante – novembro de 2011 – “Uma horta no inferno”37.
E por favor, procure mais! Há muita coisa interessante sobre isso. Mas apenas nesses artigos citados você vai ler coisas como:
a) Lá chove menos que no Nordeste;
b) Eles cultivam vários vegetais e exportam para vários países, não produzem apenas para o próprio consumo;
c) Eles também produzem muito leite e até lagosta no deserto;
d) Hoje eles possuem muita tecnologia, mas na verdade já cultivam no deserto há milhares de anos.
E de modo nenhum vamos nos esquecer do contexto histórico no qual esse povo está inserido. Israel foi criado em 1945 após a Segunda Guerra Mundial – todos sabemos disso. Ou seja, eles não estão administrando aquela terra há 500 anos como nós, só tiveram uns 70 anos para fazer isso tudo que nós estamos falando aqui.
Tudo bem… Os israelenses são geniais, você me convenceu! Mas isso é um caso isolado – você pode estar pensando. Ninguém mais pode fazer coisas assim, então eles devem ser alguma espécie de semideuses e estão muito além do que nós, brasileiros comuns, podemos sonhar em fazer. Será?
Esse pensamento, se é que alguém terá, evidentemente é equivocado. Você pode encontrar facilmente inúmeras referências a trabalhos como os citados no deserto do Neguev, em Israel, também num deserto ainda muito pior, o do Saara. O Saara não é nada mais nem nada menos que o segundo maior (em extensão) e o mais quente deserto do nosso planeta! Em área, ele só é menor que a Antártica, também um deserto, porém gelado. O Saara é maior que o Brasil, cobre quase todo o norte da África e passa por 11 países. As temperaturas ultrapassam os 50o e chover lá é bastante raro. Lá é muito pior que o nordeste brasileiro.
Quer conhecer um pouco sobre o deserto do Saara? O Globo Repórter, em 10/6/2016, fez uma reportagem especial muito interessante sobre ele. Os temas apresentados aqui no livro não são abordados na reportagem, ok? Ela é citada como referência de um bom programa para se conhecer um pouco sobre o deserto, a cultura e as paisagens. Você pode assistir pela internet, são vários vídeos curtos abordando diversos temas sobre o Deserto do Saara. O primeiro deles você pode acessar pelo endereço https://globoplay.globo.com/v/5086363.
Mas, voltando ao nosso assunto, de plantações38 à criação de camarão39, você pode encontrar muita coisa sendo feita até mesmo no deserto do Saara. E pesquisadores de vários países, não somente os semideuses israelenses, atuam nesse tipo de trabalho. Afinal, nem todos os povos do planeta foram agraciados com terras como as nossas. Aqui batemos recordes seguidos de safras na produção de grãos e outros produtos do agronegócio, sem precisarmos ter nem um terço da criatividade e eficiência que outros países possuem ao lidar com seus recursos naturais.
E, quando digo “um terço”, estou sendo bastante generoso. Aqui temos rios que se parecem com mares, e ainda assim há quem morra de sede em regiões que não chegam a ser um deserto, mas onde apenas chove menos do que no resto do país.
Para conhecer um pouco mais do que tem sido feito pelo mundo, recomendo pelo menos estas duas matérias interessantes do G1 e da EBC:
▪ “Veja soluções de seis países para vencer a falta de água e o desperdício” – G1, 24/5/2015 40;
▪ “Conheça soluções para falta de água em diversos países” – EBC, 19/03/2015 41.
Depois de analisar com você todas essas informações, chego até a pensar que, talvez, os problemas enfrentados pelo nordestino no nosso país possam, de algum modo estranho, ser mais políticos do que necessariamente o produto de uma limitação humana para lidar com as regiões mais secas e quentes. Mas é claro, posso estar enganado… Deve ser apenas um devaneio.
Contudo, digamos que eu não esteja enganado. Digamos que esse “pensamento” não seja uma mera fantasia deste pobre mortal que vos escreve… Nesse caso, poderíamos imaginar que, sim, dá para fazer muita coisa boa e eficaz no semiárido nordestino. Podemos nos inspirar em ideias praticadas em Israel e em outros países, mas também podemos criar soluções totalmente novas, com tecnologia nossa! Temos um país enorme, diverso e imensamente rico! Será que há necessidade de continuarmos a ver as cenas clássicas do Nordeste, tal qual a descrita na canção de Gonzaga, “Asa Branca”, que usei para iniciar este capítulo?
E se essa não é apenas a impressão tola de alguém que não sabe o que diz, então o que está realmente errado em nosso país? Não podemos controlar o clima, logo, não vale a pena “brigar” com ele. Você não verá nas referências citadas, nem provavelmente em outras que você encontrar por conta própria, nenhum exemplo no qual alguém tentou “mudar o clima”. Todas as soluções se baseiam em “convivência harmoniosa” com o clima da região.
Vou aqui me permitir dar alguns “chutes” e dizer o que acho que está errado. Não vou apresentar dados, apenas minha opinião. Mas acredito realmente que, mesmo não sendo uma autoridade no assunto, meus apontamentos farão bastante sentido para você.
Em primeiro lugar, estamos estudando pouco. Talvez não você em particular, mas nós todos como povo, certamente sim – bem pouco! E sabemos que educação é fundamental para alcançar a competência exigida por desafios como esses que mencionamos neste capítulo. Países como Israel certamente não tiram pesquisadores, capazes de dar soluções geniais para se cultivar no deserto, de dentro de escolas públicas como as que temos no Brasil. Também não é possível formar profissionais de tamanho gabarito apenas com um segundo grau técnico ou uma faculdade meia-boca do tipo “pagou, passou”.
Investimento sério e educação de qualidade são necessários para fazer a diferença. E esse investimento precisa ser feito tanto pelo governo quanto pela sociedade. Sinceramente, não vejo nossos jovens, no geral, tão interessados em ciência e tecnologia, e muito menos em “mudar o mundo”. Em minha opinião, faltam idealismo e paixão da nossa parte. Não acredito que estamos incentivando da forma correta e nem o suficiente as nossas crianças. Como seria se elas fossem incentivadas a estudar com o objetivo de mudar o seu país? Mas nem nós mesmos acreditamos nisso. Não se pode dar o que não se tem.
Enquanto escrevo este livro, me pergunto quantos adolescentes poderão se interessar em lê-lo. Ou, ainda, em quantos pais irão comprá-lo para seus filhos e, infelizmente, não faço grandes projeções. Nisso realmente espero me ver imensamente errado daqui a algum tempo. Nada me faria mais feliz. Mas parece que em geral reclamamos muito, porém nos dispomos pouco a debater e a ensinar, principalmente para as novas gerações, o que pode ser feito com objetivo de, um dia, construirmos o país onde nós queremos viver. Lembre-se: só podemos realizar os sonhos que conseguimos sonhar.
Ensinar aos mais jovens que políticos são ladrões, que o mundo é assim mesmo ou que eles nada podem fazer para mudar as coisas é o mesmo que plantar grama e esperar colher maçãs. Seria mais útil se ensinássemos as nossas crianças e adolescentes que, se eles estudarem e se prepararem, poderão assumir o lugar daqueles que nada fazem ou fazem o que não devem. Pois essa é a verdade! A ignorância nos torna servos, todos sabem disso. E conhecimento é liberdade!
A educação, em minha opinião, está em primeiro lugar e, em segundo, está a questão política.
Vamos pensar juntos. A quem interessa de fato resolver problemas sociais graves que dão insumos valiosos para obras bilionárias infinitas e promessas de campanha convincentes e maravilhosas? Certamente não é ao político que isso interessa. Principalmente quando esses políticos sabem que, mesmo se passarem dez anos prometendo terminar uma obra de R$ 12 bilhões, sem cumprir, eles continuarão recebendo votos apenas por continuar prometendo. Gostaria que o nosso povo adquirisse o hábito de fazer contas. Poderíamos chegar à conclusão de que alguns “benefícios” não são, de fato, nem a sombra do que temos direito a receber. Poderíamos também calcular e constatar que a conta paga (impostos) não fecha com os tais “benefícios recebidos” – e nem de longe! Deem-me suas riquezas para administrar, em troca lhes darei o direito às migalhas que caem da minha mesa. Isso lhe parece justo? Muitos acham que sim.
E é por causa da falta de expectativas e de esperança que muitos, como conta a música, dizem adeus Rosinha, guarda contigo meu coração. E outros que, como a asa branca, batem asas do sertão. São nordestinos que vão para o Sul e o Sudeste. São brasileiros que vão para os EUA e outros países. Por não acreditarmos mais em nossa nação, vislumbramos nas gramas de outros cercados o verde que já não enxergamos mais aqui. Mas nossa terra ainda é fértil e, em se plantando, tudo nasce, inclusive cidadãos com educação, preparo técnico e, acima de tudo, fé em um futuro melhor.
REFERÊNCIAS: Não deixe de enriquecer sua experiência conferindo os links utilizados em minha pesquisa para escrever este capítulo:
21 Fato noticiado pela Veja, em 14/5/2014, e disponível acessível em: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/o-pais-quer-saber/dilma-garante-que-ficara-pronta–em-2015-a-transposicao-que-lula-prometeu-para-2012-houve-uma-subestimacao–da-obra/
22 Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,custo-da-transposicao–do-sao-francisco-aumenta-71-e-vai-superar-r-8-bilhoes,852078
23 Noticiado pelo G1, em 28/7/2015, no endereço em: http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2015/07/final-da-obra-de-transposicao-do-rio-sao-francisco-esta-prevista-para-2017.html
24 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/07/1792453-novo-programa-para-rio-sao-francisco-custara-mais-r-10-bilhoes.shtml
25 Disponível em: http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/04/safra-de-graos-2015-2016-atingira-209-milhoes-de-toneladas
26 Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-11-22/especialistas-dizem-que-nordeste-tem-agua-mas-falta-distribuicao
27 Disponível em: http://super.abril.com.br/ideias/coleta-agua-da-chuva-o-fim-da-sede
28 Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/11/nordeste-da-exemplos-de-convivencia-com-escassez-de-agua.html
29 Disponível em: http://noticias.r7.com/brasil/cisternas-do-nordeste-podem-inspirar-modelo-de-captacao-de-agua-e-resolver-seca-de-sp-01022015
30 Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/03/25/agora-so-carregamos-agua-da-cisterna-para-casa-comemora-agricultor-do-pi.htm
31 Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/03/18/mais-caras-cisternas-de-plastico-doadas-pelo-governo-deformam-no-semiarido-e-sao-alvo-de-criticas.htm
32 Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/06/120615_seca_sertanejo_pc.shtml
33 Disponível em: http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2016/06/regiao-nordeste-recebera-2-500-pocos-artesianos-ate-2018
34 Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,israel-ensina-a-cultivar-no-deserto,336869
35 Disponível em: http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2014/02/lagostas-azuis-produzidas-no-deserto-tem-melhor-tipo-de-calcio-para-o-corpo-humano.html
36 Disponível em: http://revistagloborural.globo.com/Noticias/Agricultura/noticia/2015/03/novos-negocios-no-deserto.html
37 Disponível em: http://www.superinteressante.pt/index.php?option=com_content&-view=article&id=1067:uma-horta-no-inferno&catid=12:artigos&Itemid=86
38 Exemplo de notícia sobre o assunto em: http://dinheirorural.com.br/secao/agrotecnologia/agricultura-no-saara
39 Exemplo de notícia sobre o assunto em: https://www.eaeagricola.com.br/curiosidades/deserto-do-saara-serve-como-centro-de-cultivo-de-camaroes
40 Disponível em: http://g1.globo.com/natureza/noticia/2015/05/veja-solucoes-de-seis-paises-para-vencer-falta-de-agua-e-o-desperdicio.html
41 Disponível em: http://www.ebc.com.br/noticias/meio-ambiente/2015/03/falta-de-agua-lista-de-10-solucoes