O homem é o anjo que o proteje e o demônio que o atormenta. Seu inferno é sua consciência e seu paraíso está em suas realizações. As atitudes fazem toda diferença e definem quem é cada indivíduo.
Além dessa vida existe a vida paralela que criamos em nossa imaginação. Nossas fantasias e crenças em seres sobrenaturais. Nossos discursos cheios de influências culturais. Nossa visão formatada pela caixinha na qual nascemos e crescemos.
Essa caixinha é nosso mundo. Nossa verdade, nossa profissão de fé. Nossa visão do cosmos, nosso refúgio e nosso esteio. Ela é a torre que nos protege de todo mal. Nela encontramos conforto e irmãos. É nosso lar, onde vive nossa família e amados.
Sair dessa caixinha é muito difícil. A maioria nasce, cresce, envelhece e morre dentro dela. Sem jamais olhar pela brecha da tampa para espiar o que há no lado de fora. É até difícil imaginar que há um novo mundo fora da nossa caixinha.
Somos ensinados que a caixinha é tudo! Aprendemos desde criança que não há nada além de nossa caixinha e que a realidade dentro dela é absoluta e igual em todos os lugares. Nenhuma evidência consegue abalar a nossa fé na caixinha.
As vezes alguns loucos hereges sugerem que pode haver algo diferente fora da caixinha. E isso costuma enlouquecer os demais que habitam nela. Enfurecidos, hostilizam e marginalizam os infiéis.
A fé pode mover o homem adiante, mas também pode cega-lo. É impossível argumentar com pessoas embriagadas pela fé. Só a dúvida pode abrir a tampa da caixinha e realmente libertar o homem. A certeza trás grilhões que impedem o crescimento, pois certeza impede de pensar.
Duvidar é preciso, questionar é essencial, o motor de toda evolução intelectual é a pergunta mais fundamental de todas: por que?
Toda vez que nos deparamos com uma verdade podemos ter certeza que descobrimos apenas um ponto ínfimo em uma reta infinita de coeficiente angular constante. Em outras palavras, descobrimos um pedacinho de algo muito maior.
A fé cega formata e simplifica o cosmos, tão grande e diverso, conforme o molde da nossa caixinha. A fé cega nos dá receitas de bolo para uma existência pequena e menos desafiadora. Talvez porque a vastidão nos assuste. Talvez porque preferimos estacionar, já que crescer exige energia. Talvez por falta de oportunidade. Quem sabe?
O sobrenatural é apenas tudo aquilo que não queremos ter o trabalho de investigar e entender. Chamamos de “além” toda fronteira que temos medo ou preguiça de ultrapassar.
É preciso coragem e mente livre para abrir a tampa da caixinha e observar outras realidades. Elas estão todas diante de nós. Completamente acessíveis. Basta vontade, disposição e mente aberta para enxerga-las.
E quando abrimos nossos olhos vemos que todos os cidadãos de todas as caixinhas pensam da mesma forma. Eles tem culturas diferentes, mas todos acreditam que a verdade em que vivem é absoluta. Embora isso não seja verdade.
Em cada caixinha há explicações criativas e bizarras para todas as questões fundamentais. Quem somos, de onde viemos, para onde vamos… entre outras. E cada um em cada caixinha acredita veementemente nessas histórias. A maioria nunca ousa questioná-las!
Muitos estão dispostos a matar e morrer pelas verdades absolutas que aprenderam em suas caixinhas. E muitas vezes habitantes de uma caixinha enfrenta e mata habitantes de outras caixinhas, literalmente, apenas por pensarem diferente.
Só a dúvida liberta. Só quando criticamos as verdades e dogmas que nos foram apresentados podemos contemplar o além. Onde não há mais certezas, mas teorias e probabilidades. A dúvida e o questionamento nos ensina que poucas coisas são absolutas e que tudo pode evoluir.
De fato as leis naturais do cosmos são absolutas, mas nosso conhecimento e entendimento sobre elas engatinha. De forma que temos apenas um vislumbre da verdade e esse vislumbre tende a evoluir todo o tempo.
A humanidade evoluirá intelectual e socialmente quando todos deixarem suas caixinhas e abrirem a mente para algo muito maior, algo sem fronteiras, algo sem verdades inquestionáveis. Um lugar com preceitos éticos, mas sem pecados, deuses ou demônios.
Quando isso acontecer os deuses despencarão dos céus como folhas secas que caem das árvores no outono. Mortas, escravizadas pelo vento que pode brincar com elas. Mas ainda assim essas folhas inúteis podem servir de adubo para que cresçam novas formas de vida. Formas que jamais imaginamos, mas que poderemos descobrir juntos.